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Os 4 maus hábitos que afetam a memória

Outros Assuntos/ Psicologia e Psicossomática

4 maus hábitos que afetam a memória quando envelhecemos

Por Juan Francisco Alonso, Role, BBC News Mundo, 12 maio 2024

“A memória é o diário que todos nós carregamos conosco.”

Foi assim que o escritor irlandês Oscar Wilde (1854-1900) definiu a memória.

No entanto, à medida que envelhecemos, algumas páginas deste registro das nossas vidas podem se extraviar ou se perder. E isso não é apenas desconcertante, mas também doloroso. O professor Charan Ranganath, diretor do Laboratório de Memória Dinâmica da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, é um dos neurocientistas mais renomados no estudo da memória — e ele garante que o risco de isso acontecer pode ser minimizado.

Em conversa com a BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, o autor do livro Why We Remember (“Por que nos lembramos”, em tradução livre) identificou quatro maus hábitos que a maioria das pessoas tem — e que, segundo ele, afetam a capacidade do nosso cérebro de lembrar das coisas.

  1. Não descansar o suficiente

À medida que os seres humanos envelhecem, tendem a dormir menos horas e, como se não bastasse isso, problemas no trabalho, econômicos e de saúde podem afetar a qualidade do sono, uma combinação que pode ser bastante prejudicial para a saúde. “Sabemos agora que o cérebro possui um sistema que drena as toxinas que se acumulam nele, incluindo a proteína amiloide, que está envolvida no desenvolvimento de Alzheimer. Este sistema é ativado durante a noite”, observa Ranganath.

O neurocientista, que há 25 anos estuda o funcionamento do cérebro, explica que o sono também tem uma função restauradora. “Se uma pessoa não dorme o suficiente, a função frontal do cérebro é reduzida, assim como o seu nível de tolerância ao estresse; e, por isso, ela não é capaz de se concentrar adequadamente.” Mas, durante a noite, o cérebro não só elimina elementos nocivos e recarrega as baterias, como também organiza as nossas memórias. “Durante o sono, a memória é reativada, e é a isso que muitos atribuem a origem dos sonhos (…) Dormir facilita a retenção das informações que aprendemos”, acrescenta o especialista.

Não usar celular e computador, evitar refeições pesadas, bebida alcoólica e cafeína antes de dormir são algumas das recomendações que Ranganath dá para tentar ter um sono reparador. E para aquelas pessoas que, por um motivo ou outro, têm dificuldade de dormir à noite, o especialista afirma que tirar uma soneca durante o dia também pode ser muito benéfico. “Os benefícios [do sono] para a memória também podem ser alcançados durante o dia”, diz ele.

  1. Ser multitarefa

No mundo competitivo e atribulado de hoje, a capacidade de ser multitarefa — ou seja, de fazer várias coisas ao mesmo tempo — é vista como algo positivo. Mas Ranganath alerta que isso pode ser “muito ruim” para a memória. O motivo? “O córtex pré-frontal nos ajuda a focar no que precisamos fazer para atingir nossos objetivos, mas esta habilidade maravilhosa fica prejudicada se pularmos continuamente de um objetivo para outro”, explica.

Segundo ele, existe em nosso cérebro uma competição entre os conjuntos de neurônios que participam de diferentes tarefas — e esta competição é o que dificulta que a gente realize várias tarefas ao mesmo tempo de maneira correta e eficiente. Por isso, o neurocientista adverte que verificar o e-mail enquanto se assiste a uma palestra ou uma aula só vai levar a uma coisa: não se lembrar do que estava ouvindo inicialmente.

“Ao mudar de objetivo (começar a verificar o e-mail), os neurônios se distraem e registram memórias fragmentadas da conferência, porque você está usando muitas funções executivas para gerenciar a mudança de uma atividade para outra, e isso dificulta a formação de uma memória duradoura”, observa. Mas, como acontece com toda regra, há pelo menos uma exceção: tarefas que estão associadas ou relacionadas.

“Se você está fazendo um bolo, tem que pré-aquecer o forno, e depois voltar a preparar a massa, ou algo do tipo. Mas se você juntar todas essas tarefas em uma grande tarefa, vai conseguir”, ilustra. Para evitar ser multitarefa, Ranganath não apenas recomenda tentar terminar uma atividade antes de iniciar outra, como também evitar o que pode nos distrair do objetivo. Assim, ele sugere colocar o celular no modo silencioso, principalmente as notificações de e-mail e mensagens, enquanto uma ação está sendo executada.

Também recomenda fazer pausas para sonhar acordado ou esticar as pernas.

A questão do tempo que gastamos verificando o celular também leva a outra pergunta: que efeitos isso vai ter para os jovens de hoje?

“Possivelmente haverá algumas consequências positivas, e outras negativas, mas o relevante é que eles estão desenvolvendo hábitos que não fazem bem à memória”, diz o especialista. Um estudo publicado em 2023 revelou que adolescentes e crianças americanas passam entre cinco e oito horas por dia grudados no celular.

  1. Cair na monotonia

Diferentemente do que se imagina, o cérebro humano não está programado para lembrar de tudo. Pelo contrário, ele é seletivo. “A maioria das experiências que vivemos ou das informações às quais fomos expostos vai ser esquecida”, explica Ranganath. Apenas aquelas experiências ou eventos associados ao medo, raiva, desejo, felicidade, surpresa ou outras emoções que sejam capazes de liberar substâncias químicas como adrenalina, serotonina, dopamina ou cortisol em nosso cérebro vão acabar fixados em nossos neurônios. Estas substâncias químicas ajudam na plasticidade cerebral, que é essencial para a memória.

“A plasticidade no cérebro nos ajuda a realizar tarefas, especialmente aquelas que são repetitivas, de forma mais eficiente”, explica o professor da Universidade da Califórnia, acrescentando que esta capacidade diminui com a idade. Por isso, ações como lembrar a senha que acabamos de alterar para acessar nossa conta bancária, celular ou e-mail ficam mais difíceis com o passar do tempo.

“Uma vez que você altera a senha, os neurônios que tinham a senha antiga armazenada vão brigar com aqueles que possuem a nova”, afirma.

Quebrar a monotonia e sair da rotina é, segundo o especialista, a melhor maneira de tentar preservar a plasticidade cerebral.

 

  1. Ser confiante demais

“As pessoas pensam que sua memória é muito boa até que, em algum momento da vida, percebem que não é o caso”, observa Ranganath.

E não é para menos, já que o cérebro não foi projetado para lembrar literalmente de tudo aquilo que vivenciamos — o que, segundo o especialista, seria uma tarefa muito árdua. “Estima-se que o americano médio esteja exposto a 34 gigabytes (o equivalente a 11,8 horas) de informação por dia”, afirma o professor.

“O propósito da memória não é recordar o passado, embora possa fazer isso — mas, sim, retirar do passado as informações importantes de que necessitamos para compreender o presente, e nos preparar para o futuro”, explica, recomendando não recorrer apenas à memorização para aprender algo.

“A aprendizagem mais eficaz ocorre em circunstâncias em que nos esforçamos para evocar uma memória, e depois obtemos a resposta que buscamos”, indica.

“Por exemplo, alguns minutos depois de ser apresentado a alguém, desafie-se e tente dizer o nome da pessoa. E à medida que a conversa fluir, faça isso novamente. Quanto mais espaçadas forem essas tentativas, melhor.”

Outras recomendações

Além de combater os quatro hábitos mencionados acima, Ranganath garante que existem outras formas de proteger nossa memória — e desfrutar de uma boa saúde mental. “Há muitas coisas óbvias que as pessoas podem fazer para cuidar da memória, mas não fazem porque estão à espera de um comprimido ou de uma vacina, porque é mais fácil, e não precisam mudar seu estilo de vida“, diz ele. Mas quais são estas coisas óbvias?

“No curto prazo, busque dormir melhor, aprenda a lidar com o estresse (ou tente diminuir as causas que o desencadeiam) e adote práticas de mindfulness (atenção plena), que servem para detectar quando você está distraído”, afirma. No longo prazo, a lista é um pouco mais comprida.

“A alimentação pode fazer muito, a dieta mediterrânea tem provado ter resultados muito bons no que diz respeito à promoção da saúde mental”, diz ele. “O exercício físico, principalmente o exercício aeróbico, é bom porque aumenta a secreção de substâncias que aumentam a plasticidade e melhoram a vascularização do cérebro”. “Uma boa saúde bucal e auditiva também é importante, porque estudos constataram que pessoas com problemas de higiene oral ou que não cuidam dos ouvidos tendem a sofrer de problemas cognitivos”, acrescenta. “E, por último, as relações sociais e a exposição a coisas novas estimulam a plasticidade cerebral.” Por fim, o especialista afirma que estudos revelaram que estas boas práticas permitiram a algumas pessoas manter sua memória até uma idade avançada — e reduzir em um terço o risco de demência. Os dados são animadores, especialmente considerando que 40% das pessoas podem ter algum tipo de problema de memória ao completar 65 anos, segundo a Sociedade de Alzheimer do Canadá.

Artigo original publicado em:

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c80zn71174go

Esquecer é uma das funções da memória

Outros Assuntos/ Psicologia e Psicossomática

Por que esquecer é uma função normal da memória – e quando se deve ficar preocupado

Por Alexander Easton, Role, The Conversation*, 24 fevereiro 2024

Esquecer-se de coisas no dia a dia pode ser um pouco irritante ou, à medida que envelhecemos, um pouco assustador. Mas é parte da função normal da memória – permitindo-nos seguir em frente ou abrir espaço para novas informações. As nossas memórias não são, na verdade, tão confiáveis quanto a gente pensa. Mas que nível de esquecimento é normal? Tudo bem confundir os nomes dos países, como o presidente dos EUA, Joe Biden, fez recentemente? Vamos analisar as evidências.

Quando nos lembramos de algo, nossos cérebros precisam aprender a memória (codificar), mantê-la segura (armazenar) e recuperá-la quando necessário (recuperar). E o esquecimento pode ocorrer em qualquer parte desse processo. Ao receber informação sensorial pela primeira vez, o cérebro não consegue processar tudo. Assim, usamos nossa atenção para filtrar as informações para que o que é importante possa ser identificado e processado.

Quando alguém se apresenta em um jantar enquanto prestamos atenção em outra coisa, não codificamos o nome. É uma falha de memória (esquecer), mas é totalmente normal e bastante comum.

Hábitos e estrutura, como sempre colocar as chaves no mesmo lugar para que não tenhamos que codificar sua localização, podem nos ajudar a contornar o problema.

Ensaiar também é importante para a memória. As memórias que mais duram são aquelas que ensaiamos e recontamos muitas vezes (embora muitas vezes adaptemos a cada releitura e, provavelmente, nos lembremos do último ensaio em vez do evento real em si).

Na década de 1880, o psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus ensinou a um grupo de pessoas sílabas sem sentido, que elas nunca tinham ouvido antes, e analisou o quanto lembraram delas ao longo do tempo. Ele mostrou que, sem ensaio, a maior parte da nossa memória desaparece dentro de um ou dois dias. No entanto, se as pessoas ensaiassem as sílabas repetindo-as em intervalos regulares, o número de sílabas que poderiam ser lembradas por mais que apenas um dia aumentou sensivelmente.

Mas essa necessidade de ensaio pode ser outra causa do esquecimento diário. Quando vamos ao supermercado, podemos codificar onde estacionamos o carro, mas quando entramos na loja, estamos ocupados ensaiando outras coisas que precisamos lembrar (nossa lista de compras). Como resultado, podemos esquecer a localização do carro. O que nos revela outra característica do esquecimento: podemos esquecer informações específicas, mas lembrar da essência.

Quando saímos da loja e percebemos que não lembramos onde estacionamos o carro, provavelmente podemos lembrar se era à esquerda ou à direita da porta da loja, no limite do estacionamento ou mais para o centro. E, assim, em vez de ter que percorrer todo o estacionamento até encontrá-lo, podemos fazer a busca em uma área relativamente definida.

O impacto do envelhecimento

À medida que as pessoas envelhecem, elas se preocupam mais com a memória. É verdade que nosso esquecimento se torna mais pronunciado, mas isso nem é sinal de problema. Quanto mais tempo vivemos, mais experiências temos e mais temos a lembrar. Não só isso, mas as experiências têm muito em comum, o que significa que pode se tornar complicado separar esses eventos em nossa memória.

Se você só passou férias na praia na Espanha uma vez, você vai se lembrar com grande clareza. Agora, se você já foi de férias para a Espanha muitas vezes, visitou diversas cidades em momentos diferentes, lembrar se algo aconteceu na primeira vez em Barcelona ou na segunda, ou se seu irmão estava nas férias em Maiorca ou Ibiza, torna-se mais desafiador.

A sobreposição de memórias, ou interferência, atrapalha a recuperação de informação. Imagine arquivar documentos no seu computador. Ao iniciar o processo, você tem um sistema claro, em que saberá onde encontrar cada documento que guardar. Mas à medida que mais e mais documentos entram, fica difícil decidir a qual das pastas ele pertence. Você também pode começar a colocar muitos documentos em uma pasta porque todos eles estão relacionados a um mesmo item. Isso significa que, com o tempo, torna-se difícil recuperar o documento certo quando precisar dele, seja porque você não consegue saber onde o colocou, ou porque sabe onde ele deve estar, mas há muitas outras coisas para pesquisar.

Mas não esquecer também pode ser perturbador. O transtorno de estresse pós-traumático é um exemplo de uma situação em que as pessoas não conseguem esquecer. A memória é persistente, não desaparece e muitas vezes interrompe a vida diária. Pode haver experiências semelhantes com memórias persistentes no luto ou em casos de depressão, condições que podem dificultar o esquecimento de informações negativas, quando esquecer seria extremamente útil.

Esquecer não necessariamente afeta a tomada de decisão

Esquecer-se de coisas é comum, e à medida que envelhecemos isso se torna mais comum. Mas esquecer nomes ou datas, como Biden fez, não necessariamente prejudica a tomada de decisões. As pessoas mais velhas podem ter conhecimento profundo e boa intuição, o que pode ajudar a neutralizar tais lapsos de memória. Claro que, em alguns casos, esquecimentos podem ser sinal de um problema maior, e conversar com um médico pode ser necessário. Fazer as mesmas perguntas sempre é um sinal de que esquecer é mais do que apenas um problema de distração quando tentava codificar a informação.

Da mesma forma, esquecer como circular em ambientes muito familiares é um sinal de que você está com dificuldade para usar pistas do ambiente para lembrar de como se locomover. E embora esquecer o nome de alguém no jantar seja normal, esquecer como usar talheres não é. Em última análise, esquecer não é algo a se temer – em nós ou nos outros. Costuma ser um mau sinal quando em caso extremos de esquecimento.

 

* Alexander Easton é professor de psicologia da Universidade de Durham. **Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em inglês

https://www.bbc.com/portuguese/articles/c72gx0x7zl1o

 

Dificuldade de concentração e memória fraca podem durar meses após infecção do Covid-19

Psicologia e Psicossomática/ Uncategorized

Por Cristiane Martins, De Londres para a BBC News Brasil

“A covid-19 é, sem sombra de dúvidas, a doença mais preocupante do século no impacto e prejuízo das funções neuropsicológicas”, diz a neuropsicóloga Lívia Valentin, professora e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). Ela liderou um estudo sobre o tema no Instituto do Coração (Incor), que identificou problemas de memória de curto prazo em 63% dos pacientes com covid-19 e dificuldades de atenção em 72% deles. Essa pesquisa se soma a mais de 200 outros estudos ao redor do mundo que tratam do impacto neurológico direto ou indireto da covid-19, os possíveis caminhos que o vírus percorre no corpo humano até chegar ao cérebro e os sintomas que podem afetar as pessoas por meses após a infecção. Entre eles, dor de cabeça, perda de olfato, tontura, problemas de memória, dificuldade de atenção, dores musculares, ansiedade e depressão.

Essa dúvida preocupa a bancária Evelize Vasconcelos, de 40 anos, que foi internada em unidade de terapia intensiva (UTI) em Salvador após contrair coronavírus e tem “sensação de estar sempre balançando” desde que recebeu alta. “É como se eu estivesse em alto mar.” Seu relato à BBC News Brasil é feito de forma pausada por dois motivos: ainda falta ar aos pulmões em recuperação e as palavras somem com frequência enquanto seu raciocínio vai e vem. Ela não sabe quanto tempo vai levar até recuperar a agilidade de antes, já que agora mal consegue fazer contas simples de matemática.

Os exames ainda não conseguiram explicar o que está acontecendo, e a forma exata com que o coronavírus afetou as funções neurológicas dela está ligada a uma das quatro grandes linhas de pesquisa dessa área desde o início da pandemia, quando ficou claro que a covid-19 não era uma simples doença respiratória. Afinal, como o vírus invade o sistema neurológico, como esse ataque está ligado aos sintomas, quais são os possíveis tratamentos e quantas pessoas são afetadas de forma temporária ou permanente?

Em linhas gerais, esses sintomas estão ligados a três partes importantes do corpo humano: Sistema nervoso central, responsável por receber informações dos sentidos e distribuir ações: dores de cabeça, tontura, confusão, doença cerebrovascular aguda, ataxia (que afeta coordenação, fala e equilíbrio) e convulsões; Sistema nervoso periférico, responsável por conectar o sistema nervoso central a outras partes do corpo: comprometimento de olfato e paladar, problemas de visão, audição e tato); Sistema musculoesquelético, responsável pela estabilidade e movimentação do esqueleto: dores (mialgias) e lesões musculares. Para grande parte dos pacientes, os danos cerebrais se tornam sequelas da chamada covid-19 longa, condição de saúde na qual o impacto da doença persiste por semanas ou meses.

“A etiologia (origens e causas) dos sintomas neuropsiquiátricos em pacientes de covid-19 é complexa e multifatorial. Pode estar ligada ao efeito direto da infecção, a doenças cerebrovasculares (incluindo hipercoagulação), a um comprometimento fisiológico (hipoxia), a efeitos colaterais de medicamentos e a aspectos sociais de ter uma doença potencialmente fatal”, afirmam pesquisadores de universidades dos EUA, do México e da Suécia que analisaram dezenas de estudos, envolvendo 48 mil pacientes.

Os sintomas mais relatados por pacientes são dor de cabeça (44%), dificuldade de atenção (27%), anosmia (perda do olfato, em 21%), além de outros dois menos comuns, porém mais incapacitantes, como neuropatias e confusão mental (“brain fog”, em inglês, ou “névoa cerebral”, em tradução literal).

Ainda não há dados precisos sobre o perfil dos pacientes mais afetados, mas em geral os estudos apontam que a maioria é formada por pessoas acima de 40 anos. Como o coronavírus invade o sistema nervoso central? Pesquisadores da cidade chinesa de Wuhan, considerada o primeiro epicentro da pandemia, analisaram 214 pacientes infectados entre janeiro e fevereiro de 2020. Do total, 37% apresentavam impactos neurológicos da doença e 59% deles eram mulheres. Esse estudo jogou luz sobre o fato de que pacientes com infecções graves do novo coronavírus apresentavam lesões neurológicas frequentes. Não se sabia naquele momento se essas manifestações ocorriam por ação direta ou indireta do vírus Sars-Cov-2, e até hoje isso não está claro.

Dois meses depois, outro grupo de pesquisadores da China sugeriram duas hipóteses para a invasão do sistema nervoso pelo vírus: por vasos sanguíneos após passagem pelos pulmões ou pelo nariz, via mucosa olfatória, que é ligada ao sistema nervoso central. Daniel Martins-de-Souza, professor do departamento de bioquímica da Universidade de Campinas (Unicamp), explica em entrevista à BBC News Brasil que mais de um ano depois a pergunta como o coronavírus chega no cérebro “foi respondida parcialmente”. Os estudos têm mostrado que o fato de o vírus não chegar ao cérebro de todos os infectados aponta que o caminho mais provável é aquele que passa pelo nervo olfatório, que conduz impulsos elétricos associados ao sentido do olfato.

Segundo estudo liderado por pesquisadores de universidades de Berlim (Alemanha), amostras de 33 pessoas que morreram de covid grave apontam que o vírus pode entrar na mucosa olfatória, cruzar a interface neural-mucosa e entrar no sistema nervoso. A mucosa olfatória reveste algumas regiões das cavidades nasais e tem em sua composição células sensoriais que derivam do sistema neurológico central. No estudo, publicado em novembro de 2020, eles dizem ter encontrado nessa região partículas intactas de coronavírus. Segundo os pesquisadores, a invasão de células nervosas da mucosa olfatória pelo vírus poderia explicar sintomas neurológicos mais diretos em pacientes com covid-19, como a perda de olfato e de paladar. Além disso, a presença do coronavírus em áreas do cérebro com funções vitais pode ter outro impacto mais grave: agravar a dificuldade de respiração. O que o coronavírus faz no cérebro?

Ao chegar ao cérebro, o vírus mira dois pilares do sistema nervoso: os neurônios e os astrócitos. Em resumo, os primeiros são responsáveis por transmitir impulsos nervosos e os segundos, por abastecê-los de energia. Não está claro o que leva o coronavírus ao cérebro, mas pesquisadores têm avançado no entendimento dos possíveis mecanismos do que acontece quando ele está ali. Martins-de-Souza, da Unicamp, explica que o corpo humano conta com uma barreira hematoencefálica, que é uma espécie de guardiã que permite que elementos presentes no sangue cheguem ao cérebro, mas evita a passagem de patógenos como vírus e bactérias. Só que alguns invasores conseguem ultrapassar essa barreira. Uma das portas de entrada seria a proteína ACE2 (ou ECA2, em português), que funciona como uma espécie de “fechadura” de células humanas abertas pela “chave” do coronavírus (a tal proteína spike, aqueles “espinhos” presentes em torno do vírus que formam uma “coroa” e dão nome ao coronavírus).

Mas, em um estudo produzido em outubro de 2020, Martins-de-Souza e outros 79 colegas analisaram tecidos cerebrais de pacientes que morreram de covid-19 e em células cultivadas em laboratório e identificaram a presença do coronavírus nos astrócitos, que não contam com a ACE2. Então, por onde o Sars-Cov-2 entrou? Aparentemente, a porta de entrada aqui é a neuropilina (NRP1), uma proteína numerosa também em vasos sanguíneos e neurônios.

“O NRP1 é expresso até mesmo em neurônios olfatórios, dando à Sars-CoV-2 um caminho direto para entrar nessas células e interromper o olfato”, explicam seis pesquisadores de hospitais da Flórida (EUA) em outro estudo sobre esse ponto. Segundo eles, essa invasão pode aumentar a capacidade do coronavírus de se espalhar e infectar. “Quando o vírus está dentro dos astrócitos, ele muda a maneira com a qual os astrócitos produzem energia. Células vivem para produzir energia, para poder desempenhar as funções dela. Então o vírus, de alguma forma, muda a maneira com a qual o astrócito produz energia, porque ele precisa de energia também para se replicar”, explica Martins-de-Souza.

Isso pode levar à morte do neurônio por “falta da energia” que recebia dos astrócitos ou por causa do ambiente tóxico que surge no cérebro quando os astrócitos passam a produzir uma substância prejudicial aos neurônios. O cenário descrito pode ser o responsável, segundo os cientistas, pelas alterações neuropatológicas e pelos sintomas neuropsiquiátricos observados em pacientes com covid-19. Quais são os principais sintomas neurológicos?

Há diversos sintomas neurológicos que vêm sendo associados à covid-19 desde o início da pandemia, como dor de cabeça, perda de memória, confusão mental e dificuldade de concentração. Além disso, há outras condições mais raras, como acidente vascular cerebral, comprometimento da consciência, psicose, delírio, convulsões e encefalopatia. Alguns desses sintomas podem ser sinais de que o sistema imunológico está combatendo a doença, mas a grande maioria não.

“Acho que não estava na conta de ninguém imaginar que pessoas que não foram internadas, que seriam quadros ‘leves’, pudessem ficar com uma gama de alterações neurológicas incapacitantes, como observamos não só aqui mas no mundo inteiro”, explicou Clarissa Lin Yasuda, médica e professora do departamento de neurologia da Unicamp, em entrevista recente à BBC News Brasil. Ela é uma das coautoras do estudo do qual Martins-de-Souza participou, que identificou sinais de danos cerebrais em 25% das pessoas que morreram de covid-19.

“É muita coisa que a gente não sabe, muita coisa para ser estudada: o quanto desses quadros neurológicos tem um componente inflamatório, o quanto é autoimune, o quanto é um ataque direto do vírus. Ninguém tem uma resposta, mas acho que é uma combinação disso tudo.”

Segundo o grupo de pesquisadores de universidades dos EUA, do México e da Suécia que analisou dezenas de estudos sobre o tema, pacientes adultos que tiveram covid-19 têm o dobro de chance de desenvolver transtornos psiquiátricos, como ansiedade, insônia e demência. Isso pode estar ligado também ao impacto negativo da doença na qualidade do sono dos pacientes.

Mas crianças e adolescentes também correm sérios riscos. Quarenta e oito médicos e pesquisadores dos EUA produziram um estudo, publicado no começo do mês no periódico Jama Neurology, que aponta que 22% dos pacientes com menos de 21 anos tiveram sintomas neurológicos e 12% com distúrbios neurológicos potencialmente fatais, como encefalopatia grave, acidente vascular encefálico (AVC), infecção do sistema nervoso central e síndrome de Guillain-Barré (uma fraqueza muscular causada pelo sistema imune que pode ser fatal).

Segundo o grupo de pesquisadores de universidades dos EUA, do México e da Suécia que analisou dezenas de estudos sobre o tema, pacientes adultos que tiveram covid-19 têm o dobro de chance de desenvolver transtornos psiquiátricos, como ansiedade, insônia e demência. Isso pode estar ligado também ao impacto negativo da doença na qualidade do sono dos pacientes.

Mas crianças e adolescentes também correm sérios riscos. Quarenta e oito médicos e pesquisadores dos EUA produziram um estudo, publicado no começo do mês no periódico Jama Neurology, que aponta que 22% dos pacientes com menos de 21 anos tiveram sintomas neurológicos e 12% com distúrbios neurológicos potencialmente fatais, como encefalopatia grave, acidente vascular encefálico (AVC), infecção do sistema nervoso central e síndrome de Guillain-Barré (uma fraqueza muscular causada pelo sistema imune que pode ser fatal).

Impacto na memória

Os mecanismos da associação direta entre a covid-19 e os problemas de memória de curto e longo prazo ainda não estão muito claros. Mas há algumas pistas em estudo. Natalie Tronson, professora da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em formação da memória, afirma que mudanças duradouras no cérebro após problemas graves de saúde, como infarto e covid-19, são associadas ao aumento do risco de declínio cognitivo com o avanço da idade e também de doenças como Parkinson.

Essas transformações no cérebro podem afetar a memória tanto por danificar a conexão entre os neurônios quanto por mudanças no funcionamento neuronal, como dito anteriormente em relação aos problemas da “transmissão de energia” dos astrócitos para os neurônios.

Outro ponto problemático envolve as micróglias, que são um tipo de célula imunológica do cérebro. “Durante doenças e inflamações, as células imunológicas especializadas no cérebro se tornam ativas, disparando uma enorme quantidade de sinais inflamatórios e modificando como eles se comunicam com os neurônios. Para um tipo de célula, a micróglia, isso significa mudar sua forma, abandonando braços finos e se tornando células móveis e inchadas que envelopam possíveis patógenos e detritos celulares em seu caminho. Ao fazerem isso, elas também destroem e devoram conexões neuronais que são muito importantes para o armazenamento da memória.”

Outra mudança estrutural do cérebro chamou a atenção dos cientistas. Martins-de-Souza, da Unicamp, explica que a morte neuronal provocada pelos astrócitos pode levar a uma mudança na espessura do córtex cerebral, região responsável pela fala, memória, compreensão da linguagem, entre outras tarefas.

O estudo do qual ele participou aponta que essa mudança estrutural ocorrida no córtex durante a covid-19 pode ter impacto na memória. “Os resultados apontam que um córtex mais fino está associado a um pior desempenho em tarefas de memória verbal. Em geral, nossos achados indicam alterações significativas na estrutura cortical associada a sintomas neuropsiquiátricos em pacientes com sintomas respiratórios leves ou mesmo sem sintomas respiratórios”, afirmam os pesquisadores.

É o caso da estudante Geovanna Bessa, 18, moradora de Paraíso do Tocantins (TO) que apresentou sintomas leves de covid-19 em janeiro de 2021, mas até hoje não se livrou da grande e constante perda de memória, da sensação de estar aérea e da dificuldade de se concentrar. Ela chega a se esquecer do que está falando no meio de uma conversa. “A perda de memória é algo que parece inofensivo, mas que faz toda a diferença; às vezes me esqueço se tranquei a porta ou desliguei o fogo, o que é muito perigoso”, conta à BBC News Brasil.

Duração dos sintomas e possíveis tratamentos

“Ainda não sabemos se existe a possibilidade de reversão do quadro cognitivo prejudicado. Assim como algumas pessoas ainda não retornaram com seus paladares e olfatos, outras estão ainda apresentando falhas significativas na memória, função executiva e linguagem mesmo depois de terem se recuperado da covid-19 há 10 meses”, afirma Livia Valentin, da USP, à BBC News Brasil.

Segundo pesquisadores do Hospital Universitário de Oslo (Noruega), em estudo com 13 mil participantes, 12% dos infectados por coronavírus apresentavam problemas de memória oito meses após terem contraído o vírus. E esses pacientes continuam a ser acompanhados. Estudos apontam também que o surgimento desses sintomas varia bastante de um paciente para outro. Pesquisadores da Northwest Medicine, um operador de saúde dos EUA, acompanharam 509 pacientes internados com covid-19. Do total, 42% tiveram sintomas neurológicos no início da infecção, 63% durante o período de internação e 82% ao longo do período inteiro. Os três principais sintomas eram dores musculares, dor de cabeça e encefalopatia (termo usado para doenças difusas cerebrais que alterem sua estrutura ou sua função).

Sem protocolo

Até o momento, não existe um protocolo de tratamento estabelecido para os sintomas neurológicos ligados à covid-19, uma doença nova, sistêmica e multifatorial. Além das vacinas, há raríssimos medicamentos capazes de evitar casos graves e mortes por covid-19. Mas eles só são adotados por médicos na avaliação caso a caso, e não como prevenção ou tratamento em larga escala para a população. E a automedicação também pode agravar a doença.

É o caso da dexametasona, um corticoide que combate uma reação desproporcional do sistema imunológico de alguns pacientes (tempestade de citocinas) contra a covid que pode acabar tendo o efeito inverso e leva à morte. Essa reação imunológica desenfreada potencialmente fatal pode afetar diversos órgãos, e um deles é o cérebro.

Esse medicamento também pode ter efeitos positivos contra os sintomas neurológicos. Especialistas do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York (EUA), analisaram a fundo 18 pacientes com câncer que foram infectados pela covid-19 e que reforçaram a hipótese de uso de anti-inflamatórios para lidar com a chamada névoa cerebral. Mas o que um paciente deve fazer caso desenvolva outros sintomas neurológicos, como confusão mental, perda de memória, tontura e dor de cabeça?

Segundo Valentin, da USP, “os tratamentos são muito variados, desde os medicamentosos, psicoterápicos, reabilitação neuropsicológica, fisioterápico”. Ela defende que o período pós-covid-19 “exige um olhar preocupante de saúde pública” e, por isso, deveria envolver diversos profissionais em equipes multidisciplinares tanto no problema quanto no tratamento. “Caso contrário teremos uma população extremamente prejudicada em um futuro muito breve nas esferas laboral, social, acadêmica, familiar e pessoal das pessoas afetadas. Como falamos de milhares, quiçá milhões de pessoas afetadas, penso que a necessidade de um trabalho emergente e urgente já se faz tarde.”

 

https://www.bbc.com/portuguese/geral-56337032

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